terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Bulling ao contrário

Foi na Faculdade. Eu já tinha idade para ter juizo, mas, uma educação ainda muito centrada na figura da autoridade do "Senhor Professor", fazia-me tremer só de me imaginar entrar numa oral de "Direito dos Contratos". Hoje rio-me. Rio-me de mim e rio-me do professor. Duas figuras absolutamente patéticas, cada uma à sua maneira.

Apesar de ter tirado um catorze na frequência, tive, de acordo com as regras da Faculdade, de fazer uma oral. As salas onde se realizavam as orais, eram tribunais onde entravamos condenados à partida. O Senhor Professor estava ali não para avaliar o que sabiamos, mas sim para descobrir o que não sabiamos. Conseguindo-o, não mais largava a presa. O aluno era trucidado sem piedade, frente aos colegas que assistiam, supostamente para se "preparar" para o seu momento de tortura.

Entrei na sala. O senhor professor, sem levantar a cabeça das folhas que lia, mandou-me sentar com um gesto. Olhou para mim por trás dos óculos pretos, estilo "Clark Kent", com a sobranceria que eu tão bem conhecia das aulas e disparou o primeiro tiro: defina o que é um contrato.

Comecei a falar. Não sei o que disse, mas sei que não disse nada do que o Senhor Professor queria. As palavras dançavam-me na cabeça: contrato, uma ou mais pessoas, vontade comum, efeito convergente. Não conseguia ligar nada, nada fazia sentido. O senhor professor, bondoso como só ele, olhava para a biqueira do sapato, bocejando, enquanto escrevia em letras garrafais á minha frente: "REPROVADA". Tinham passado trinta segundos desde que entrei na sala. As regras da faculdade obrigavam a que as orais durassem um mínimo de vinte minutos, e, no tempo que restou, o Professor limitou-se a arrastar o meu cadáver ensanguentado pela sala fora, à frente de uma plateia tanto assustada como ávida de sangue alheio.

Cá fora fiz o mesmo de sempre: liguei á E. e ao namorado da altura, reuni a irmã, a mãezinha e o paizinho que me fizeram ver que o Mundo não tinha acabo nesse dia. E recomeçei a estudar.

Em Julho, exame. Novamente um catorze. Novamente uma oral com o mesmo professor. Entrei na sala, depois de ter estado toda a noite anterior a memorizar a definição de contrato, decidida a provar que sabia e que não era uma fraude.

Primeira pergunta: "então, minha senhora, já sabe o que é um contrato"?

E outra vez as letras a dançarem-me à frente dos olhos: duas ou mais pessoas, vontade comum, convergente, efeito júridico. Nada faz sentido outra vez.. Vejo o Sr. Professor a escrever "REPROVADA" à minha frente, mesmo antes de ele pegar na folha. Sinto as mãos suadas e o corpo a tremer. O sr. Professor vibra enquanto pega devagarinho na folha e na caneta vermelha. Abana a cabeça, num sorriso incrédulo. Volta a escrever a palavrinha mágica :REPROVADA. Sou a sua aluna preferida, não tenho dúvidas disso.

Cá fora, os colegas prestes a entrar no cadafalso, pedem-me ajuda para resolver dúvidas. Não há nada relativamente ao diabo dos contratos, que eu não saiba. Só não me peçam para defini-los em frente à giboia falante que se tornou para mim o Sr.Professor.

Setembro, nova tentativa. Desta vez, com ajuda de um fiel amigo: xanax. Passei sem distinção. Definitivamente, já naquela altura devia ter percebido que Direito não era a minha praia.

Hoje, catorze anos depois, e recordando este momento, a definição de contrato vem-me à memória sem dificuldade: acordo celebrado entre duas os mais partes em sentido convergente, tendente à produção de um efeito júridico unitário. Tão simples.

Como tão simples seria que eu tivesse pedido ao professor, meu colega humano, que esperasse um pouco, que me permitisse respirar e pensar. Como tão simples seria que o professor, pessoa como eu, me dissesse para descontrair, para pensar noutro assunto, que logo voltariamos aquele. Tão simples. Somos todos humanos. E é sempre tão complicado.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Clandestino

dos Deolinda é provavelmente a música mais bonita que ouvi na vida.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Mrs Scrodge

Hoje na hora de almoço tive a ideia peregrina de ir a um centro Comercial comprar pastilhas de café para o Natal. No regresso, fila em cima da ponte da Arrábida. O trânsito não anda em nenhuma direcção. Faz sentido, visto haver centros comerciais nos dois lados da Ponte e Portugal atravessar um raro momento de prosperidade que faz com que o povo possa esbanjar à vontade. No carro ao lado, o meu vizinho aproveita para fazer uma sempre importante e necessária revisão do apêndice nasal, sem se sentir minimamente incomodado com a minha observação atenta. Um pouco mais à frente, decide estender a limpeza ao resto da viatura, e toca de mandar tudo o que é papel, caroço de maçã e pacote de iogurte pela janela fora. Olho para o relógio. Já passam dez minutos da minha hora de entrada e a minha chefe, respeitando o espírito Natalício de amor e compreensão que atravessamos, anda particularmente estúpida, pelo que um atraso vem mesmo a calhar. Quinze minutos. Já estou oficialmente atrasada e não vejo maneira de a coisa se resolver por menos de uma hora. O amigo das limpezas recosta-se nos berloques para o reumático da cadeira do carro, enquanto mira com ar sonhador o terço pendurado no retrovisor. É um romântico. No rádio, o Bon Jovi canta "there´s something about Cristmas time". E há. Há mesmo. O problema é esse. Há músicas idiotas. Há o Bon Jovi e o George Michael. Há a Popota e o Tony Carreira . Há atrasos injustificáveis e chefes imbecis. Há filas de trânsito. Há o Natal dos Hospitais. Há a Leopoldina e o João Baião. Há os amigos ocultos, os presentes idiotas e os sorrisos amarelos. E o que já não há, é pachorra.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Azia

Paguei setenta e cinco euros (sim, setenta e cinco) por um jantar ontem que acabei de vomitar e outra coisa que não digo porque sou uma menina educada.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Como disse?

Ouvida no sítio do costume:
- Então eu disse-le: para a tua mãe é melhor comprarmos um daqueles "couverts" que tem o perfume e o creme.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Erros de palmatória

A mãezinha, que é do tipo que dobra o pijaminha e se dá ao trabalho de colocar, nos mails que envia para o estrangeiro "please don´t call me mr. because i´m a female", veio visitar o blog. E chamou-me à atenção, escandalizada, para um erro de Português, segundo ela, "de palmatória": abracinho não se escreve com "c" de cedilha. É só mesmo abracinho. Sem çedilha, ok? Cedilha.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Estória de encantar

Há meia dúzia de anos, Maria, era, como diria o nosso primeiro ministro “uma jovem do seu tempo”. À noite, deslocava-se frequentemente a espaços de divertimento nocturno, onde por vezes era cortejada por elementos do sexo oposto. Bebia vodka com Red Bull, ou com limão, dependendo dos dias, e dançava até de manhã. Jantava fora com regularidade e escolhia o menu sem olhar para a coluna da direita. Não pedia livros nem Cds emprestados porque gostava de ter os originais. Tinha a depilação em dia, fazia madeixas sempre que lhe apetecia, arranjava as unhas e as sobrancelhas. Lia o Público, a Máxima, a Elle e o falecido Independente. Não sabia quanto gastava em gasolina, porque, pura e simplesmente, não lhe interessava, e havia sempre dinheiro para gastar.
Hoje, o mais longe que Maria vai numa sexta -feira à noite, é da sala para a cozinha preparar o manjar do seu pequeno ditador. Em vez e livros e Cds, compra Noddys e Pocoyos, a quem o minúsculo amo trata de esventrar e tirar a cabeça em dois tempos e sem remorsos. Vai fazendo a depilação com dificuldade, as mãozinhas às vezes parecem as do Freddy Krugger, e as sobrancelhas as do Einstein. Deixou de comprar revistas e jornais, limitando-se a roubar o “Expresso” de casa dos pais, que tenta ler às escondidas, sempre que apanha o pequeno ditador de olhos fechados. Tem dificuldades em vestir uma roupa decente, porque esta normalmente já tem a marca demoníaca do pequeno Estaline: manchas brancas aqui e ali, vomitadas especialmente para fazer com que Maria se sinta miserável e que não se esqueça nunca de quem é o seu amo e senhor.
Às vezes, Maria, criada no pós 25 de Abril, ensaia uma revolução. Hábil como todos os grandes da história, o pequeno ditador rapidamente toma medidas. Aninha-se no seu colo. Rouba todo o amor do Mundo e exibe-o nos olhos, sem vergonha enquanto sorri, deixando escorrer um fio de baba pela boca patética com meia dúzia de dentes. Sabe que ganhou mais uma vez. Ganha sempre. E a Maria tira o rímel e os sapatos de salto alto. Esquece a vodka e o Red Bull. Apanha os restos mortais dos bonecos, regozija com o cheiro de leite azedo, apaga a luz e é feliz.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Mais uma pérola

desta vez do coleguinha da frente: "qualquer dia, a tua sogra muda-se de mala e cunha para tua casa".

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Efectivamente

tenho saudades do Reininho das Dunas e do Vídeo Maria.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Ira is my midle name

Não há estereótipo que me irrite mais do que o do Dâmaso Salcede. É que ele há "Dâmasos" por todo o lado. E como não podia deixar de ser, perto de mim, lá na linha de produção disfarçada de Banco onde trabalho, senta-se uma "pequena Dâmaso". Subserviente, escorregadia, graxista, de cara amarrada para com os colegas e sorriso aberto para as chefias, como convém. Lembram-se das cena dos Dâmaso sempre atrás do Carlos da Maia, a dizer que ele era "trés chic"? Pois é do género. Se o Eça vivesse nos dias de hoje, ela teria lugar cativo nas suas obras.


Ora aqui a Maria, que já leva sete infelizes anos de Banco na pele, foi quem deu formação a este ser. Foi quem ouviu as suas dúvidas angustiadas e quem desfez as suas asneiras sem nada dizer. No mês passado a chefe foi de férias e ao contrário do habitual, delegou as competências na “pequena Dâmaso”. Ok, até aqui tudo bem. Tenho que aceitar sem problemas. A colega trabalha bem, está definitivamente mais motivada que eu, é justo. O problema é que a “ pequeno Dâmaso”, não contente com isso , decidiu que, bonito bonito, era achincalhar a velha mestre à frente dos colegas, para que não restassem dúvidas de “quem é manda aqui agora”. E lembrou-se então de vir lá do outro lado do escritório, salto alto a bater com força no chão, voz colocada e “ Ó Maria, quero que faças isto, e isto, e isto, ok? E rápido, por favor está bem?", seguido da frase suicida "não mandes nada sem me mostrar primeiro, ok?"

Para falar a verdade, o mostro dentro de mim levantou as orelhas logo que ouvir os sapatinhos a bater com força no chão, pelo que, quando chegou ao fim da frase, já ele estava de boca aberta, pronto a engolir a imbecil. Senti o mesmo de sempre : o chão a fugir-me dos pés, o coração que parece que ora vai parar de bater, ora não pode bater mais depressa, as mãos suadas, que, de repente parecem ficar com vida própria, de tanto gesticularem. E a vontade de bater. Sim. Vontade de bater. Porque dentro desta pequena Maria há um gladiador implacável. Um mostro de Lockness. Uma padeira de Aljubarrota.
Não vou escrever aqui o que lhe disse. Sobretudo porque não me lembro. Sei que mais tarde alguns colegas comentaram comigo que fiz muitas referências a palavras como autocracia, despotismo e 25 de Abril. Aparentemente , a “pequena Dâmaso” também não percebeu o meu discurso. Mas, pelo menos deve ter entendido o essencial já que bateu em retirada, fez ela o trabalho que me pediu e não fala comigo até hoje.

Explicar a ira não é fácil para mim, porque até certo ponto, é como ter que me explicar a mim mesma e, infelizmente, não venho com manual de instruções. Porque a ira vive dentro de mim e confunde-se comigo. Eu sou a sua casa. Durante anos, tive um grande sentimento de culpa por alojar este inquilino, mas agora não. A idade também tem que servir para alguma coisa. A ira em mim é como aquela sensação que se tem antes do descolar de um avião: já ganhou muita velocidade e é tarde demais para parar. Comigo é igual. Embora, confesse, que o que vem depois não me trás paz. O C. diz-me muitas vezes “ pensa no que é que ganhaste com isso”. E no fundo se calhar tem razão. Não ganho nada. Nas noites seguintes não durmo. Nada. Penso continuamente na situação. Revejo-a vezes sem conta na minha cabeça. Penso que que podia ter dito mais isto ou aquilo que podia fazer toda a diferença. Castigo-me.
Não é fácil viver comigo. O C. diz-me que parece que tenho que estar sempre em luta com alguma coisa. Na verdade tem razão. Não gosto de ver a vida passar-me ao lado. Não gosto de não intervir. Não gosto de ter coisas por dizer. E vivo sempre neste limbo. Às vezes olho para o C. e tenho inveja. Ele parece-me genuinamente mais feliz que eu. Não tem preocupações. Não acha que tudo é uma injustiça. Não o incomoda o chorar dos outros desde que não o oiça. Dorme descansado. Às vezes, também eu gostava de dormir assim.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Descanso

Segunda feira feriado. Alerto pai do filho que PRETENDO RELAXAR E TIRAR UNS MOMENTOS SÓ PARA MIM, e deixo-o, alegremente, a alimentar a prole. Encho a banheira, água quente, sais de banho, óleos essenciais, e disponho-me a passar uns momentos comigo mesma. Começo a sentir um ligeiro burburinho na casa de banho ao lado. Aparentemente, o meu filho, o pai e o gato estão entretidos com a muda da fralda. Tento abstrair-me. Mergulho a cabeça na água, pode ser que passe. Oiço coisas a bater, talvez portas, ou o chuveiro, não percebo bem, entrecortadas com a voz do pai a falar com os outros dois. O burburinho começa a subir de tom. Estranhamente, a voz aproxima-se cada vez mais. E os passos. Respiro fundo. Param à porta da casa de banho.Hesitam. Sustenho a respiração. A porta abre-se, primeiro a medo, depois decididamente, com urgência. Entra primeiro o pai, o filho nu ao colo e o gato atrás. O pai pede desculpas, tem mesmo que interromper, não encontra roupa para vestir à criança. Olho em volta. Pergunto-lhe se acha que a roupa está ali comigo na casa de banho. Olha para mim atónito. Não percebe. Não percebem. Batem em retirada. Os três. Deixo-me estar a ouvir ao longe a procura da roupa. Fico com pena. Acabo com o banho. Encontro a criança vestida com umas calças que lhe dão pelos joelhos. Interrogo o pai e o gato. O gato fica calado, é inteligente. O pai olha para mim, satisfeito consigo próprio e diz que como eu "mandei" arranjar uma solução, encontrou aquela. A criança debate-se com dificuldade dentro das calças-colete-de-forças. Começo a sentir o monstrinho da ira dentro de mim. Respiro fundo. Dou indicações. Restabeleço a ordem. Volto para o banho. A água está fria e eu estou cansada. Não vale a pena. Vai ser sempre assim. Três contra uma. Não tenho hipótese.