sábado, 13 de dezembro de 2008

Estória de encantar

Há meia dúzia de anos, Maria, era, como diria o nosso primeiro ministro “uma jovem do seu tempo”. À noite, deslocava-se frequentemente a espaços de divertimento nocturno, onde por vezes era cortejada por elementos do sexo oposto. Bebia vodka com Red Bull, ou com limão, dependendo dos dias, e dançava até de manhã. Jantava fora com regularidade e escolhia o menu sem olhar para a coluna da direita. Não pedia livros nem Cds emprestados porque gostava de ter os originais. Tinha a depilação em dia, fazia madeixas sempre que lhe apetecia, arranjava as unhas e as sobrancelhas. Lia o Público, a Máxima, a Elle e o falecido Independente. Não sabia quanto gastava em gasolina, porque, pura e simplesmente, não lhe interessava, e havia sempre dinheiro para gastar.
Hoje, o mais longe que Maria vai numa sexta -feira à noite, é da sala para a cozinha preparar o manjar do seu pequeno ditador. Em vez e livros e Cds, compra Noddys e Pocoyos, a quem o minúsculo amo trata de esventrar e tirar a cabeça em dois tempos e sem remorsos. Vai fazendo a depilação com dificuldade, as mãozinhas às vezes parecem as do Freddy Krugger, e as sobrancelhas as do Einstein. Deixou de comprar revistas e jornais, limitando-se a roubar o “Expresso” de casa dos pais, que tenta ler às escondidas, sempre que apanha o pequeno ditador de olhos fechados. Tem dificuldades em vestir uma roupa decente, porque esta normalmente já tem a marca demoníaca do pequeno Estaline: manchas brancas aqui e ali, vomitadas especialmente para fazer com que Maria se sinta miserável e que não se esqueça nunca de quem é o seu amo e senhor.
Às vezes, Maria, criada no pós 25 de Abril, ensaia uma revolução. Hábil como todos os grandes da história, o pequeno ditador rapidamente toma medidas. Aninha-se no seu colo. Rouba todo o amor do Mundo e exibe-o nos olhos, sem vergonha enquanto sorri, deixando escorrer um fio de baba pela boca patética com meia dúzia de dentes. Sabe que ganhou mais uma vez. Ganha sempre. E a Maria tira o rímel e os sapatos de salto alto. Esquece a vodka e o Red Bull. Apanha os restos mortais dos bonecos, regozija com o cheiro de leite azedo, apaga a luz e é feliz.

3 comentários:

Kika Canas da Lapa disse...

Um post maravilhoso... faz as não mães terem vontade de o ser, digo eu :)

Um beijo

Maria Poppins disse...

Se quiseres, empresto-te o kit completo: criança, pai da criança e gato :)

Kika Canas da Lapa disse...

LOL!!!

Nem sem eles, nem com eles...imagino!!!