sábado, 3 de janeiro de 2009

Maria vai ao Hospital

Dor no peito. Forte. Muito forte. Vários dias seguidos, sem explicação. Ligo para a linha Saúde 24. A senhora enfermeira informa-me que o caso pode ser grave e aconselha-me a dirigir ao Hospital da àrea de residência no espaço de uma a quatro horas. O hospital da área de residência é o de Valongo.

Uma urgência hospitalar é, já de si, uma coisa extraordinária, mas uma urgência hospitalar cheia de Gondomarenses é qualquer coisa de nunca visto. É que o Gondomarense é feliz no Hospital. Gosta de lá ir. Gosta do cheiro. Aliás, o bom do Gondomarense leva o seu próprio cheiro de casa para o Hospital para o ver a lutar com aroma a desinfectante. E ganha sempre.

Chego e vou para a triagem. Refiro dores no peito sem mais sintomas e o senhor enfermeiro,que parece saído directamente de um episódio dos Ficheiros Secretos, enfia-me uma bracelete laranja no braço.

Entro na sala de espera. Várias cadeiras vazias e os Gondomarenses em pé a confraternizar. Encostada à parede, uma senhora de olhos encovados com um saco na mão a dizer "lixo tóxico". É a única com aspecto doente. Os outros parecem felizes. Genuinamente felizes. Contam estórias épicas de esperas de oito horas para sacar uma receita de ben-u-ron. Falam de hemorróidas, e de gargantas com pús enquanto abrem o saco, de onde tiram pão com manteiga para dar às crianças. São visitas da casa. Vêm preparadas para tudo.

A minha bracelete laranja causa curiosidade. Ás tantas a senhora do saco do "lixo tóxico" deita-se no chão. Não se vislubra um médico, um enfermeiro ou um auxiliar. A sala de espera acorre em peso para a ajudar. Vão buscar uma maca e deitam-na lá em cima. Aumenta a intensidade dos olhares na minha direcção. Alguém comenta em voz alta que não se percebe como é que uns que estão tão doentes tem a fita amarela, e outros que parecem finos, tem a fita laranja. Acho que a boca é para mim. De repente se calhar já não me sinto tão mal. Penso em ir embora.

Entretanto, lá me chama o senhor doutor. Sinto os olhares de reprovação e quase que desejo ter uma coisa assim para o grave para justificar o diabo da bracelete. O senhor doutor é ucraniano. Não percebo muito do que diz.Está nervosa? Não. Está muito nervosa? Não. Costuma estar nervosa? Não. Está Stressada? Não. Costuma estar stressada? Não. O senhor doutor insiste. Efectivamente começo a ficar um bocadinho nervosa com esta conversa. Ele lá tem pena de mim e manda-me fazer um raio-x.

No Raio X encontro o António Calvário a fazer de enfermeiro. Trata-me por tu. Hesito em tratá-lo por tu também, mas ele pôe fim à conversa para me dizer que " por mim tás despachada, vai lá ter com o Doutor outra vez". Neste momento já tenho dúvidas se alguma vez vou conseguir sair deste hospital. O Hotel Califórnia vem-me à memória vezes sem conta. Se calhar já estou a delirar.

Regresso á sala de espera. Não há nada como um Hospital quentinho e reconfortante. De um lado e do outro do corredor, doentes animados e bem dispostos. As cadeiras vazias. Faz sentido. Quem está doente fica muito melhor em pé.

Regresso ao Senhor Doutor ucraniano. Tenho dificuldades em perceber o que diz, mas juro que o oiço dizer que os meus batimentos cardiacos são "sensuais". Ou então sou eu que já estou dominada pelo espirito de alegria e animação hospitalar e oiço o que quero ouvir. Neste momento tenho duas cabeças e numa delas só toca o "Hotel Califórnia".

Passa hora e meia. O senhor doutor manda-me tomar uma injecção para o ajudar a fazer o "diagnóstico diferencial". Tenho medo de agulhas. Resisto. Ele insiste. Mais vinte minutos à espera de uma enfermeira. Começo a sentir-me muito melhor. Penso em desistir. A música continua a tocar na minha cabeça:" you can chek out any time you want but you can never leave".

Sinto-me a suar. Se calhar o senhor doutor tem razão. O meu mal é stress. E o stress cura-se em casa. Com chá e com miminho. Com músiquinha a tocar. E com a lareira acesa. Fujo. Cá fora o ar puro. Já não me doi nada.

1 comentário:

Nafr disse...

isto está muito bom.

bem dizia a minha irmã..