domingo, 21 de setembro de 2008

Os iluminados

Há novidades lá na empresa. Aparentemente alguém arranjou maneira de contornar a fantástica regra de que não se pode ser admitido como trabalhador quando algum familiar já é funcionário.
Neste caso concreto trata-se de marido e mulher e a solução encontrada foi a mais simples: ela concorreu a um anúncio, foi sujeita á mesma catrefada de testes que os restantes concorrentes, foi entrevistada e o que ninguém lhe perguntou também não achou relevante dizer. Foi admitida, trabalha num departamento de call center no primeiro andar do edifício e o marido que desempenha funções externas, trabalha no segundo andar, e tudo ia bem até alguma alma iluminada descobrir a marosca. Alma esta, obviamente, colega dos visados.
Algumas horas terão passado até que os restantes sessenta colaboradores aqui do Norte ( e quem sabe, mais os duzentos de Lisboa), ficassem a saber da estória. Até ai, tudo bem. Estamos no mesmo barco, somos solidários, certo? Dizem-me que não, que os colegas estão chocados e quase fazem fila no tal primeiro andar a perguntar quem foi a espertalhona. E apontam. E dizem, como se fosse a coisa mais natural do Mundo que a pobre não sabe o que a espera, mais uns dias e rua.
E sente-se um arrepio de alegria e alivio por ser ela e não nós. Aquela vertigem de pequena vingança, mesmo para com alguém que é um completo desconhecido, aquelo gostinho de espezinhar alguém só porque está numa situação complicada e nós estamos todos a salvo. E mais importante: estamos juntos. Somos todos iguais e estamos a salvo. Quanto mais apontamos o dedo mais somos iguais e mais estamos a salvo.
Penso em mim e nos meus colegas. Filhos da Revolução, todos na casa dos trinta e já com anos e anos no “lombo” a repetir tarefas, a cumprir ordens estupidificantes qualquer que seja a nossa função, sem qualquer margem de criatividade ou de pensamento autónomo. A ser apenas peças acéfalas numa engrenagem.
Sem questionar nada e a comer o lixo todo. Sem questionar nada de nada, nem sequer porque é que uma pessoa capaz e competente não pode ser admitida na mesma empresa que o marido. Assimilamos sem pestanejar.
E a comer o lixo todo, o lixo todo. Se alguém “de cima” diz que é assim, cumpre-nos assimilar, do baixo da nossa estupidez e dizer ámen. E entrar nessa histeria colectiva, porque o que importa é não ficar de fora ou “mal visto”.
Num país com quatrocentos mil desempregados cruxifica-se em praça pública alguém que ousou omitir uma informação para arranjar um emprego. E glorifica-se quem criou essa regra.
Temos todos medo. Muito medo. O outro senhor não sabia para que país estava a falar quando falou no direito à indignação. É que para isso era preciso perdermos este medo que se nos colou á pele. E é sempre mais fácil “go with the flow”. Quem fez Abril deve ter vergonha de nós….

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